18/04/2007

Cântico do Sol...

Em forma de toada, como se fosse o prelúdio de um beijo azul-ternura, o Sol envolveu o quarto adormecido. Devagar, com um timbre feito de carícias foi acordando, uma a uma, as cores, apagando a escuridão e, de repente, já o quarto era uma manta de retalhos tecida com os fios do arco-íris. Num improviso, um raio de Sol pousou sobre os ombros e as costas dela, que os lençóis revoltos descobriam. E com aquele sussuro do amanhecer... ela acordou. Ainda de olhos fechados, permaneceu ali deitada a ouvir o cântico do Sol na sua pele. Um rumor a poesia percorreu-lhe o corpo antes mesmo que outras memórias, que aquela sua história lhe chegasse aos olhos. “Aceito os anjos nos beijos que me dás,pondo rosas nos teus dedos descuidados.” Lentamente, os contornos daquele rumor assumiam palavras dentro de si a cada toque do cântico do Sol na sua pele... Folhas brancas, palavras soltas, versos doces de Andrade, de Ary... “Sou flor do espanto e da ternuranão serei casta nem purasou rosa” Sorriu, pela forma simples como aqueles versos estavam em si e os recordava, palavra a palavra... Logo ela que sempre fora incapaz de memorizar os seus próprios poemas!... Rosas em dedos descuidados... Os seus que agora afastavam todo o lençol, expondo a sua nudez à voz cândida do Sol... Flor da ternura... A rosa! Onde está a rosa azul?... Levantou-se. Levou consigo a resposta e em passos de nuvem foi até à janela. Afastou as cortinas e a manhã vestiu-lhe o corpo nú de Sol, de um véu feito de brilho a tocar a tonalidade do oiro. Abriu os braços num gesto de desprendimento e deu-se toda àquele cântico do Sol sobre a sua pele. Que rumor a magia sentiu... A mesma janela. O mesmo largo de tantas histórias. E uma manhã de fins de Fevereiro, em que o Sol promete a Primavera que há-de vir. Segura ainda a rosa do velho contador de histórias. O café há muito que fechou e não tem a quem entregar aquela rosa nascido do orvalho, nascida do vento em forma de homens que deitados no colo das estrelas contavam histórias de encantar. Segura ainda a rosa nos seus dedos descuidados, repete o poeta, nos seus dedos que percorreram naquela noite o corpo dele e se aninharam na nudez do seu sorriso. Naquele sorriso onde ainda agora – longe - se reflecte o Sol do olhar dela... E o Sol continua no seu canto... a rosa está nos teus olhos, no teu corpo, nas tuas mãos, nos teus contos de azul pétalas de luar flores de orvalho tecidos ao amanhecer, à sombra de um beijo que as sombras apagou. A rosa azul está em ti. Recebeste-a do velho contador de histórias. Era uma vez um homem que se fez vento... Lembras-te?... As histórias de encantar?... - pareceu-lhe ouvir o Sol sorrir - chegam agora em corolas de poesia, salpicadas de ternura, de vontade de seres mulher... Chegam por entre o cheiro orvalhado do jasmim e das frésias... Por entre o silencioso cheiro das camélias brancas do teu jardim... Canta o Sol sobre a sua pele... Levou a rosa azul até junto do rosto. Sentiu-lhe o aroma a Vento de mãos dadas com o Sol. Sentiu-lhe o veludo frágil das pétalas, a força interior dos espinhos e do caule e pousou-a no peitoril da janela. Ainda não era tempo de a entregar, sorriu. Tinha tantas histórias para contar... Tantos cânticos do Sol sobre a sua pele para transformar em poesia de orvalho pela manhã ou em poentes inebriados pela próxima chegada da Lua... Tantos violinos para sentir no seu corpo, em tantas noites de amor... Tantos elogios ao Sol para fazer nascer nos olhos de quem agora lê estas palavras... Ainda não era tempo de entregar aquela rosa... E ali, junto à janela do seu quarto adornado pelo amanhecer, permaneceu mais uns instantes, nua, vestida de Sol... Era uma vez uma mulher que se fez cântico de Sol...

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